Trupe do bem
Toda semana Ana Luyza pega um ônibus de Juiz de Fora (MG) rumo a São Paulo. São cerca de 17 horas de viagem semanal para ir e voltar. O objetivo da longa viagem? Fazer voluntariado no Sabará. “Vale cada dor na minha coluna”, conta a pedagoga, que se especializou em pedagogia hospitalar. Esse é o espírito da equipe de voluntariado do Hospital.
“A gente sai mais leve”, conta a voluntária Leonidia, dizendo que tem a sensação de que recebeu mais do que ofereceu durante as 3 horas em que brinca com as crianças no Pronto-Socorro semanalmente. “Deixo as preocupações de lado”, complementa a colega Elza. “A gente sai com a semana ganha. É impressionante a sensação”, diz Beth, outra voluntária.
Brilho nos olhos
Com formação, idades e interesses bem variados, o time de voluntariado tem em comum o prazer de fazer o bem. Após o turno no Hospital, eles andam na rua a caminho de casa com um sorriso no rosto. “Vou para a faculdade feliz quando é meu dia de voluntariado. Minhas amigas falam: ‘quero acordar cedo feliz assim também'”, conta Giovanna, que tem 19 anos e estuda direito.
Outra unanimidade entre eles é dizer que o voluntariado mudou o jeito de enxergar a vida. “Totalmente”, dizem todos. Principalmente na hora de relativizar os próprios problemas. Reclamar de uma dor nas costas quando encontra uma criança de 9 anos que já fez 34 cirurgias na coluna? Jamais! Foi o que passou pela cabeça de Ana Luyza após uma de suas viagens de ônibus, que durou 10 horas e rendeu algumas dores, as quais passaram assim que ela chegou ao Centro Cirúrgico e ouviu a história do paciente que estava aguardando sua 35ª cirurgia.
São 75 voluntários, alguns aposentados, muitos estudantes. Há os que acabaram de completar 18 anos de idade e os que já tem maioridade de voluntariado, como é o caso de Meiri. A psicóloga aposentada atua no Sabará desde 2011, mas é voluntária há 18 anos na Fundação Viva e Deixe Viver, parceira do Hospital.
Os voluntários atuam uma vez por semana, por três horas, geralmente em duplas. Na maioria das vezes, eles têm local fixo para atuar.
Saiba mais sobre o voluntariado no Sabará
Centro cirúrgico
Beth e Elza, por exemplo, formam uma dupla do Centro Cirúrgico. Toda semana estão lá no mesmo horário, brincando com as crianças e conversando com os acompanhantes. Nesta unidade, o trabalho com os pais é fundamental, pois geralmente eles ficam mais nervosos que as crianças com a aproximação da cirurgia. Escutar e acalmar faz parte das funções do voluntário.
“No pré-cirúrgico os pais geralmente estão muito tensos. Aquela hora não passa, então a gente tenta colocá-los para brincar também. Um dia tinha um pai estava tão entusiasmado com a brincadeira que, quando chamaram o filho para a cirurgia, ele disse: ‘espera aí, deixa eu terminar essa rodada!'”, ri Beth. Os voluntários estão ali para distrair os familiares e, com essas ações, colaboram significativamente para o bom andamento das cirurgias. Isso porque quanto menor a ansiedade da criança antes da anestesia, menor a chance de complicações. Pais tranquilos deixam o paciente tranquilo!
Unidade de internação
Rebecca e Flavia, a dupla que atua há dois anos na Unidade de Internação, tem muita história para contar. No caso delas, é mais frequente formar vínculos com os pacientes, por se tratarem, muitas vezes, de longas internações. Um dos pacientes, que volta ao Hospital esporadicamente, lembra-se sempre da Rebecca e até a chama para brincar com ele. “Um dia eu estava indo embora e recebi o recado que ela queria me ver. Eu pus de novo o avental, desci e brinquei com ele”, lembra.
Pronto-Socorro
O PS tem uma dinâmica bem diferente para os voluntários. Isso porque as interações são mais curtas e, às vezes, com várias crianças ao mesmo tempo.
A atividade preferida da voluntária Leonidia, que está no Sabará há 4 anos, é contar histórias. E às vezes rola uma verdadeira disputa pelo livro ou pela atenção exclusiva dela.
Há situações engraçadas, como a de uma menina que, ao ser abordada por Leonidia no Pronto-Socorro para brincar, respondeu: “eu não falo com palmeirense e nem com gente estranha!” Após a surpresa inicial, Leonidia foi conversar com sua mãe, para explicar que era voluntária no Hospital e estava ali para brincar com as crianças. “Eu disse: ‘a senhora está educando muito bem sua filha, porque a gente não deve mesmo dar trela para estranhos'”, conta Leonidia. Vale lembrar que todos os voluntários utilizam avental com identificação (avental rosa para mulheres e azul para os homens).
Veja quem pode ser voluntário e como se inscrever
UTI
Não é qualquer voluntário que consegue atuar na UTI. Isso porque alguns ficam muito emotivos. Outros gostam de ajudar famílias em situações mais delicadas. Segundo Shirley Leone, coordenadora do voluntariado, o voluntário precisa atuar onde se sente bem.
Na UTI, onde os bebês frequentemente estão sedados e não conseguem brincar, muitas vezes o trabalho é feito com os pais, que ficam bastante sensíveis nesse período. Os voluntários conversam e promovem atividades, como o bordado e a mandala para colorir.
“Uma vez, uma mãe estava com um menininho que operou o coração. A gente deu um bordado para ela fazer. Depois, ela ligou pedindo outro. A gente estranhou, afinal ela já tinha feito… Quando fomos entregar, entendemos: ela conheceu uma mãe na UTI que estava sofrendo muito e ela queria dar o bordado de presente para essa outra mãe. Era uma cirurgia cardíaca e ela pediu um bordado de coração. Aqui, às vezes a pessoa sai do seu sofrimento, da sua dor, para acolher o outro”, lembra Meiri, com emoção.
Há também os momentos divertidos. “Uma vez eu fui para a UTI num quarto onde tinha uma menina de uns 12 anos. A gente começou a brincar de Uno e a mãe só ganhava. Aí a gente começou a dar risada, falar alto, vieram reclamar que a gente estava tumultuando a UTI. Dá para você amenizar um pouco o sofrimento”, lembra Beth.
Brisa num dia quente
“Eu vejo o voluntariado como uma brisa. Sabe quando você está com muito calor, você entra num lugar abafado, quente, e de repente vem aquela brisa suave? É aquele vento amigo, que a gente precisa para se renovar “, diz Meiri.
Os voluntários adoram brincar. Naquelas horas em que ficam no Sabará voltam a ser crianças.
“Outro dia eu me vi fazendo corrida de sapinho com umas cinco crianças. Falei: ‘gente, como sou uma pessoa ridícula'”, ri Leonidia. Rebecca já improvisou um jogo de Stop e até Batalha Naval com mímica e efeitos sonoros. Flavia conta que, nos quartos de internação, às vezes até enfermeiros e fisioterapeutas participam dos jogos.
Todos os voluntários, dos 18 aos 70 anos, voltam a ser crianças no Sabará. É um sopro de renovação. “Que delícia! eu venho para cá para brincar”, resume Beth.
Publicado em setembro de 2017